quinta-feira, 10 de março de 2011

Minha experiência com a leitura e escrita

“Por que você escreve?”,
perguntou um jornalista a Clarice Lispector.
“Por que você bebe água?”,
respondeu ela com outra pergunta.
Ao que ele disse: “Porque tenho sede”.
E Clarice: “Quer dizer que você bebe água para não morrer.
Pois eu também: escrevo para me manter viva”.

Bagagem

Lembro-me do meu primeiro dia de aula na faculdade. A professora nos pediu para produzirmos um texto falando da nossa experiência com a leitura ao longo de nossas vidas e justificar a escolha de nosso curso (Licenciatura em Letras).

 Apesar do friozinho na barriga que estava sentindo por conta do medo do “novo”, medo de não saber o que me esperava ao longo dessa trajetória que estava iniciando, as palavras não me fugiram do pensamento. Quanto mais escrevia, mais sentia vontade de escrever. Aquelas letrinhas feitas por uma mão trêmula me fizeram sentir como se estivesse debruçada em um muro, vendo as cenas de minha vida a passar.

Contei fatos que marcaram a minha vida para sempre e até mesmo aqueles de que nem imaginava que causaria tais efeitos, mas que após essa análise, me fizeram abrir os olhos e dar valor a minha criação.

Nasci em 1988, por um acaso do destino em Jequié, interior da Bahia. Este ano foi marcado por alguns eventos importantes, que entraram para a história, como: o Amapá e Roraima deixam de ser territórios brasileiros para virarem Estados; Ayrton Senna vence seu primeiro campeonato de Fórmula 1; Marisa Monte lança seu primeiro disco, e o melhor, meu Bahia conquista seu segundo título de Campeão Brasileiro.

Contudo, vim para Salvador ainda muito nova. Fui criada por pais jovens demais para enfrentar as dificuldades da vida, ainda mais por não terem completado os estudos.

Aos 5 anos de idade me dão uma irmãzinha passando assim por mais dificuldades, pois ela nasceu com uma grave doença relacionada ao sistema digestivo. Quando ela completou 2 anos de idade, meus pais receberam dos médicos responsáveis pelo tratamento de minha irmã que ela provavelmente não sobreviveria e por conta disso resolveram me mandar para o interior da minha família materna, Poções – Bahia, com o objetivo de cuidar dela, dedicando-lhe 24 horas do dia, pois acreditavam em um milagre. Tiveram essa atitude sem saber que eu também receberia um, ao ser criada por meus avós e uma tia avó, aprendi o que talvez não tivesse aprendido, por ter uma família que acreditava que a leitura não exercia funções de grande importância para as nossas vidas.

É então aí que minha vida na viagem da leitura começa. Foi lá que ganhei meu primeiro livro a “Bíblia para crianças”. Fique tão fascinada pelas figuras coloridas e pelas histórias abordadas por ela que li as mais de 300 páginas em dois dias. A partir daí não quis saber de mais nada, apenas desfrutar daquele mundo o máximo que pudesse.

Passava as minhas manhãs em uma Escola do Município, na qual tive um grande apreço pela professora da 2ª série, que me causava tal impacto também durante as aulas de Português. Via nela uma mediadora daquele mundo que queria descobrir.

Ao sair da escola, passei a freqüentar a Biblioteca Central da cidade, onde meu avô trabalhava. Nos primeiros dias passava entre os corredores observando à organização das prateleiras, os diferentes formatos dos livros, as cores. Mas não demorou muito para que eu pegasse o primeiro, o segundo... e assim por diante. No início eram apenas historinhas, os clássicos infantis, mas logo foi aumentando o grau de leitura, até chegar o momento que eu não mais selecionava.

As atividades propostas por meu avô também era o “maior barato” para mim. A primeira era contar pra ele sobre o que o livro falava. Eu me sentia o máximo por que ele fazia aquela cara de surpresa, como se tudo o que eu estava falando fosse novidade. E a segunda era ainda mais gostosa, pois com uma folha de papel ofício e rodeada de lápis de cor, tinha que retratar o assunto do livro através apenas de um desenho.

A minha professora primária e o meu avô bibliotecário não foram os únicos responsáveis por minha inclusão no mundo das palavras. Minha tia avó, também professora antiga da cidade, me proporcionou conhecer um outro lado. A pedido meu ela passou a me levar, sempre que possível, para assistir suas aulas. Para mim era extraordinário estar em uma turma mais avançada que a minha. Observava, mesmo que sem saber, sua didática e me imaginava naquela 4ª série.

Também foi marcante o dia em que ela me levou para assistir uma aula sua à noite, em uma turma de adultos e idosos que estavam se alfabetizando. Poder ajudar aqueles senhores e senhoras a escrever o próprio nome pela primeira vez foi algo que com certeza me ajudou na escolha de minha profissão. Desde então já não pensava em ser outra coisa a não ser professora. Queria mesmo educar, ensinar, formar cidadãos.


O ano acabou, minha irmã se recuperou e eu voltei ao seio de minha família, meu lar. Retornei a minha escola antiga, mas nunca me esqueci daqueles que deixei e daquilo tudo o que vivi. Levei essa experiência ao longo de todos os anos de minha formação escolar. E cheguei ao 3º ano do ensino médio convicta de que prestaria vestibular para Letras. O que surpreendia muito dos meus colegas que estavam cheios de dúvidas e também dos meus professores que cansados e decepcionados com a educação, tentavam me convencer a fazer outra escolha.
          
 Entrei na faculdade com um ideal e creio que sai ainda com ele. Ao longo desses anos tive contato com diferentes pessoas/ histórias, que formavam minha turma. Cada um com uma experiência diferente em relação à leitura. Tive também a oportunidade de experimentar a prática docente ao longo dos estágios obrigatórios cumpridos.

No semestre 2009.2 fui aprovada em uma seleção para estagiar na Rede Municipal de Ensino, na qual coloquei em prática tudo o que aprendi somado a minha “bagagem”. O que não significa que somente ensinei, pois não transformei apenas sujeitos, mas fui transformada pelo trabalho.

Trabalhei com turmas de 6º e 7º anos, de modo a apresentar os mais variados gêneros textuais e tornar as aulas de Português o mais divertido possível, sempre preocupada com uma aprendizagem satisfatória daquelas crianças e adolescentes.

Após os alunos apresentarem mudança de comportamento e melhorarem com relação a interpretação e produção de textos, fui convidada a ministrar novamente aulas nessa escola durante todo o ano de 2010, somente com a diferença de trabalhar apenas com as turmas de 7º ano, o que também me possibilitou exercer ainda mais a função de leitora e assim poder servir de espelho.

“Feliz aquele que transfere o que sabe
e aprende o que ensina.”

Cora Coralina

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